Consta que Martin Heidegger separou um conjunto de escritos, entre os quase infinitos de seus. estudos, e colocou a identificação: não são obras, são caminhos. Para ele, a linguagem é a clareira, a habitação do ser. A obra poética que temos em mãos, da poetisa raul-soarense e ponte-novense Vera Salviano, constitui também um itinerário, um caminho que vai além da escrita.
A linguagem que habita seu ser percorre o caminho às vezes firme, às vezes movediço do coração. São versos que rasgam o peito e soltam as emoções, sem censura, sem outro compromisso que a verdade do ser. No seu caso, o ser que ama e faz do amor o sentido da existência.
Discípula fiel do exímio sonetista raul-soarense, poeta Sotero Silveira, seu patrono na ALEPON, Salviano prima pelo verso livre, solto, sem o peso da rima ou da métrica, que acabam por inibir a inspiração.
Nesse itinerário, ora firme, ora movediço, trava sua luta contra o tempo:
Engano o tempo
Desejos e vontades...
Quero-te, por um minuto
Pra preencher essa saudade.
(Amando a Poesia)
É um itinerário onde a alma e seus mistérios caminham a descoberto, expostos ao sol e chuva.
E que às vezes faz um acerto de contas necessário com o autoengano:
Veja, você brincou com o meu coração...
Jurou-me amor, entre caricias, sedução...
Prendeu-me a você numa corrente de ilusão
Sabe? Você nunca soube o que é amor.
(Sem Perdão)
Porque o caminho da vida e do amor, que são uma coisa só, é assim mesmo: às vezes carregado e satisfeito, às vezes árido, confuso, deixando a viandante perdida nas encruzilhadas:
Meu coração à deriva...
Sem porto, sem guarida...
Solidão!
Daqui... Dali... arremessado contra o cais
Coração diz pra mim.
Por que andas desse jeito?
Em "Que importa?" essa exposição da alma que arde a modo de Camões, não dá sossego e a poetisa grita por socorro,
Que importa?
Se esse querer sem fim
Fogo que arde em você
Que abrasa em mim...
Se está certo...
Se está errado...
Não importa se é pecado!
Como não são obras, mas caminhos, supõe-se poder mudar os rumos, transformar, trocar o sentimento, ainda que provisoriamente. Mas quem disse que o caminho do amor não é feito desses desajeitos mesmo? É o que se pode ver em Metamorfose:
Choro, prometo, juro não te querer mais....
Mas lá no fundo, bem no fundo...
Eu sei... ah... bem sei.
Só você me satisfaz!
Caminho de escuridão somente em dados momentos, mas é assim mesmo que a alma transita entre o ter e o não ter, o ser e o não ser. E a poeta arranca da noite a luz do verso.
Já perdi o medo da chuva...
Já perdi o medo do mar.
Trago em mim a esperança
De um dia nos reencontrar
(Anoiteceu.)
Deixemos que o leitor e a leitora prossigam essa trajetória, descortinando e costurando cada ponto desse caminhar perigoso e ao mesmo tempo necessário do amor, que às vezes é presença, outras vezes é ausência, mas sempre é, portanto, em si ou em outrem, é sempre algo a ser construído e assumido dia a dia, como razão de ser feliz.
A poesia tem essa missão de iluminar a vida, intensamente quando tudo já é luz, e mansamente como uma lamparina, quando grassa a escuridão.
Vera Salviano tem sabido brincar com essa veleidade do amor, e da própria poesia, quando vão e vêm, quando acendem ou se apagam, tirando do amor o seu núcleo bastante a existência e da poesia o que pode jorrar de sentido ao que se vive. A linguagem que habita seu ser se solta em expressões, em gritos, em assovios, como que satisfazendo a sede de se expressar, essa causa humana e comum a todos e todas.
Parabéns por mais essa obra. Ou, por esse caminho percorrido.
Gilson José de Oliveira
ALEPON - Ponte Nova (MG) e da ACLA-MG
SOBRE A AUTORA:
Vera Salviano, ex-professora, ex-funcionária aposentada do Banco do Brasil, escritora, poetisa, revisora de textos, avaliadora de concursos poéticos, Acadêmica Imortal da AMCL (Academia Mundial de Cultura e Literatura), membro da ALEPON (Academia de Letras de Ponte Nova) e membro da AILB (Academia internacional de Literatura Brasileira).
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